Forró sem distinção
Há duas décadas, o então adolescente José Hilton começou a dar os primeiros
resfôlegos na sanfona que o irmão mais velho mantinha encostada em um canto da borracharia
onde trabalhava. Aos 13 anos, dormia na rede armada na sala de casa e sonhava
embalado pela música das bandas que tocavam no clube bem em frente onde morava
na cidade de Pedro Velho. O tempo passou, o garoto cresceu e Zé Hilton se
transformou em uma das principais referências no Rio Grande do Norte quando o
assunto é sanfona.
Instrumentista
e compositor que transita entre o forró eletrônico e de raiz, o potiguar Zé
Hilton tem canções gravadas por bruno e Marrone e Aviões do Forró.
Hoje aos 34 anos, acostumado a tocar forró em festas espalhadas pelo interior
do Estado e atuar nos bastidores como músico de estúdio, o instrumentista e
compositor passou para a linha de frente e vem se apresentando com escolta de
orquestras sinfônicas - nos próximos dias 26 e 27 de junho, no Teatro Alberto
Maranhão, Zé Hilton participa de concertos com a Orquestra Sinfônica do RN; e é
uma das atrações principais, ao lado de Khrystal, Camila Masiso, Caio Padilha,
Wigder Valle, Valéria Oliveira e Camila Masiso, do projeto "Concertos
Sinfônicos Clássicos do Baião - Tributo a Gonzagão", realizado pelo
Sesc/RN com presença da Sinfônica da UFRN, cuja temporada estreou dia 10 de
junho em Mossoró.
"Quando comecei nem pensava em ganhar dinheiro com música, muito menos
tocar com orquestra, só queria aprender a tocar", disse o músico
autodidata, compositor de canções já gravadas por nomes conhecidos do grande
público como a dupla Bruno e Marrone, a baiana Asa de Águia, e as bandas Aviões
do Forró, Ferro na Boneca, entre outras. "Cresci misturado no meio de
todos os estilos, ganhei a vida com todo tipo de forró, então nem tenho como
dizer se este é melhor ou pior que aquele", garante Hilton quando
questionado sobre o embate entre o forró tradicional e o eletrônico.
Experiente, o sanfoneiro já passou pela banda potiguar Cebola Ralada,
acompanhou o saudoso Elino Julião por quatro anos, tocou com Dominguinhos,
Xangai e Nando Cordel, fez parte do trio Candeeiro Jazz ao lado de Jubileu
Filho e Sérgio Groove com o qual participou do Festival de Jazz de Cascavel em
Santa Catarina, participou da gravação de quase 400 discos e garante que,
particularmente, prefere o forró tradicional. "Na verdade, pra mim, o que
importa é música boa!"
Para Zé Hilton, "o estilo tradicional precisa de mais apoio do Governo
para fazer shows, circular. A rapaziada precisa gravar mais, pois não adianta
ficar metendo o pau no trabalho dos outros e reclamando sem mostrar
produção", avaliou o músico, que também mantém projeto com a cantora Nara
Costa, com quem gravou recentemente disco em homenagem ao centenário de Luiz
Gonzaga. "Gonzaga é referência até hoje, não tem pra onde correr".
Por enquanto ainda não pensa em frequentar um curso superior em música, os
planos a curto prazo incluem a retomada do Candeeiro Jazz e a temporada com a
Orquestra Sinfônica da UFRN, que retorna em agosto na zona Norte de Natal e faz
duas apresentações no mês de dezembro em São Paulo. "Neste momento, a
prioridade é ensinar meu filho (José Hilton Júnior) a tocar e colocar alguns
projetos pra andar, entre eles uma escola de música em Pedro Velho".
A história da sanfona que rodou o mundo e voltou pra família
Natural de Nova Cruz, Zé Hilton chegou em Pedro Velho aos dois anos de idade e
de lá só saiu quando foi escalado para tocar com Messias Paraguai. "Quando
estava aprendendo, onde tinha quadrilha eu ia. Com uns 14 anos, cheguei a tocar
zabumba com um sanfoneiro só para ele me deixar dar uma canja no fim do show.
Foi quando me deu vontade mesmo de ser músico profissional", recorda.
Ganhou um "dinheirinho" do pai e resolveu ir juntando para comprar o
próprio instrumento. "Nessa época eu fazia de tudo um pouco: buscava
botijão de gás de cozinha, limpava quintal, ajudava meu irmão na borracharia;
mas quando comecei a tocar, abriram as portas do mundo e fui entrando".
E o destino realmente colocou a sanfona no caminho de Zé Hilton: antes de
completar 16 anos, pegou o dinheiro economizado e foi até o distrito de
Piquiri, em Canguaretama, município vizinho de Pedro Velho onde morava, para
comprar uma sanfona usada de 80 baixos. "Rapaz, não é que a sanfona tinha
sido do meu irmão na infância!? Como meu irmão é bem mais velho, não tinha nem
nascido quando venderam a sanfoninha. Até hoje existe e meu filho estuda com
ela", orgulha-se o sanfoneiro, que atualmente trabalha com uma Scandalli
italiana de 120 baixos.
Com a tal sanfoninha de 80 baixos começou a ser convidado para tocar em grupos e
cantores de cidades vizinhas. "Tinha uns 15 anos quando fui tocar na Festa
do Boi, e recebi meu primeiro cachê. Achei massa demais!". Percebendo seu
potencial, resolveu montar o próprio trio, "Os jovens do forró", e
passou a tocar em todo lugar: porta de supermercado, quermesse, arraiás.
"Rapaz, nesse tempo estava alucinado e só queria tocar, lanchar e tomar
refrigerante", diverte-se. Pouco depois começou a tocar profissionalmente
com Messias Paraguai e não parou mais.
De olho no direito autoral
Em sua trajetória, Zé Hilton topou com o compositor potiguar Cabeção do Forró,
e começaram a trabalhar juntos. "Ele trazia umas letras legais e eu
elaborava as melodias. Fiz com ele a música 'O que tiver de ser será', gravada
pelo Asa de Águia e Aviões do Forró, e virou sucesso nacional". Em
seguida, já em parceria com Cabeção e Ranieri Mazile, vieram "Tentativas
em vão", registrada pela banda natalense Deixe de Brincadeira e pela dupla
Bruno e Marrone; "Escravos do amor", "Meu amanhecer", entre
outras.
Em meio a concorrência do mercado do forró e da pirataria vigente, Zé Hilton
conseguiu garantir rendimento como compositor fiscalizando. "Nunca pagam o
que uma música rende, mas o Ecad (Escritório Central de Arrecadação de Direitos
Autorais) até que paga, mas tem que ficar esperto, saber como funciona e
fiscalizar. Tem que ficar no pé senão não rola". Ele disse que os direitos
exclusivos de gravação de algumas músicas são acertados com as bandas para
evitar problemas - "Isso é bom pra quem canta e quem compõe".
Sobre a existência de preconceito com a sanfona, diz que "isso é lenda, o
povo é louco por sanfona"; e quanto ao reconhecimento como músico acredita
que tudo o que está acontecendo é resultado de muito trabalho e dedicação.
"Tenho muitas amizades aqui no RN e em outros estados, e quando vou tocar
em Pedro Velho é casa cheia. Isso é reconhecimento!"
http://tribunadonorte.com.br/noticia/forro-sem-distincao/223576